A afirmação que intitula esta reflexão parece óbvia, mas não está suficientemente entendida. Nos últimos anos, diferentes iniciativas de parlamentares vinculados a grupos religiosos parecem não levar em conta a distinção entre escola e igreja. A Concordata firmada em 2008 entre Brasil-Santa Sé, que propõe a oferta de Ensino Religioso “católico e de outras confissões religiosas”, o PL nº 1.021/2011, que pretende instituir o “Programa Nacional Papai do Céu na Escola”, e o PL nº 8.099/2014, que intenta inserir o “Criacionismo” em todas as escolas, ambos de autoria do Dep. Pastor Marcos Feliciano, ilustram bem essa problemática.
Em Santa Catarina, a Lei nº 9.734, sancionada no último dia 11 de março pela Câmara Municipal de Vereadores de Florianópolis, de autoria do vereador Bispo Jerônimo Alves, tornou obrigatória a disponibilização de Bíblias nas escolas. Na mesma direção, tramita na ALESC o PL 0083.9/2014, proposto pelo Dep. Kennedy Nunes, para instituir a distribuição de um “Kit Bíblico Educativo” para toda a rede de ensino catarinense.
No caso da Lei em vigor na Capital, não há nenhum problema em determinar que as unidades escolares mantenham Bíblias em suas bibliotecas para consulta de seus alunos. Até porque, dada à histórica influência cristã na constituição do sistema formal de ensino brasileiro, é raro encontrar uma escola que já não disponha de um exemplar da Bíblia em sua biblioteca. O problema aqui não está na presença da Bíblia no acervo bibliográfico, mas na ausência dos livros sagrados das demais religiões, as quais também os estudantes devem ter o direito de acesso para estudo e conhecimento crítico.
O problema reside nos demais dispositivos desta lei. O parágrafo único do Artigo 1º estabelece que os “exemplares deverão ficar em local de destaque”. Ora, colocar em evidência um livro sagrado de uma determinada religião não é tarefa da escola pública laica, mas sim da Igreja, em seu respectivo lugar de culto. Por laicidade entendemos aqui um regime que institui a separação entre poder político e poder religioso, para que o Estado assuma um caráter de neutralidade que o impeça de privilegiar uma opção espiritual em detrimento das demais, de modo a garantir o tratamento igualitário a todos os cidadãos.
A escola pública, que é frequentada por crentes e não crentes, de variadas perspectivas religiosas e filosóficas, não pode eleger um livro sagrado e colocá-lo em destaque, porque trata-se de um ato discriminatório com aqueles que não compartem desta crença. O mesmo pode ser dito em relação aos crucifixos e Bíblias presentes nos plenários das casas legislativas e nos tribunais de justiça.
Além disso, é grave o teor do Artigo 2º, o qual determina que durante a semana que antecede o Dia do Livro, “será permitido a instituições que assim desejarem distribuir exemplares da Bíblia nos pátios da escola”. De quais instituições a lei está falando? Naturalmente das confissões religiosas. Aqui novamente se afronta a laicidade da escola, ao se abrir a “porteira” para que agentes alheios ao processo educativo adentrem e se apropriem de um espaço público, com a finalidade de fazer proselitismo religioso. Se concederá igual espaço para babalorixás e ialorixás divulgarem sua religião na escola? Ou a todos que reivindicarem? Isso é impraticável.
Com efeito, não compete à escola homogeneizar ou privilegiar determinada confissão religiosa, mas contribuir para que no cotidiano escolar se fomente o reconhecimento às diferenças, o diálogo, a liberdade religiosa e os direitos humanos. Estes são alguns motivos pelo qual se solicita que a Câmara Municipal de Florianópolis revogue a referida Lei.
Salamanca, 22 de março de 2015.
Fonte: Elcio Cecchetti
Nenhum comentário:
Postar um comentário