domingo, 29 de março de 2015

Escola não é Igreja

A afirmação que intitula esta reflexão parece óbvia, mas não está suficientemente entendida. Nos últimos anos, diferentes iniciativas de parlamentares vinculados a grupos religiosos parecem não levar em conta a distinção entre escola e igreja. A Concordata firmada em 2008 entre Brasil-Santa Sé, que propõe a oferta de Ensino Religioso “católico e de outras confissões religiosas”, o PL nº 1.021/2011, que pretende instituir o “Programa Nacional Papai do Céu na Escola”, e o PL nº 8.099/2014, que intenta inserir o “Criacionismo” em todas as escolas, ambos de autoria do Dep. Pastor Marcos Feliciano, ilustram bem essa problemática.
Em Santa Catarina, a Lei nº 9.734, sancionada no último dia 11 de março pela Câmara Municipal de Vereadores de Florianópolis, de autoria do vereador Bispo Jerônimo Alves, tornou obrigatória a disponibilização de Bíblias nas escolas. Na mesma direção, tramita na ALESC o PL 0083.9/2014, proposto pelo Dep. Kennedy Nunes, para instituir a distribuição de um “Kit Bíblico Educativo” para toda a rede de ensino catarinense.
No caso da Lei em vigor na Capital, não há nenhum problema em determinar que as unidades escolares mantenham Bíblias em suas bibliotecas para consulta de seus alunos. Até porque, dada à histórica influência cristã na constituição do sistema formal de ensino brasileiro, é raro encontrar uma escola que já não disponha de um exemplar da Bíblia em sua biblioteca. O problema aqui não está na presença da Bíblia no acervo bibliográfico, mas na ausência dos livros sagrados das demais religiões, as quais também os estudantes devem ter o direito de acesso para estudo e conhecimento crítico.
O problema reside nos demais dispositivos desta lei. O parágrafo único do Artigo 1º estabelece que os “exemplares deverão ficar em local de destaque”. Ora, colocar em evidência um livro sagrado de uma determinada religião não é tarefa da escola pública laica, mas sim da Igreja, em seu respectivo lugar de culto. Por laicidade entendemos aqui um regime que institui a separação entre poder político e poder religioso, para que o Estado assuma um caráter de neutralidade que o impeça de privilegiar uma opção espiritual em detrimento das demais, de modo a garantir o tratamento igualitário a todos os cidadãos.
A escola pública, que é frequentada por crentes e não crentes, de variadas perspectivas religiosas e filosóficas, não pode eleger um livro sagrado e colocá-lo em destaque, porque trata-se de um ato discriminatório com aqueles que não compartem desta crença. O mesmo pode ser dito em relação aos crucifixos e Bíblias presentes nos plenários das casas legislativas e nos tribunais de justiça.
Além disso, é grave o teor do Artigo 2º, o qual determina que durante a semana que antecede o Dia do Livro, “será permitido a instituições que assim desejarem distribuir exemplares da Bíblia nos pátios da escola”. De quais instituições a lei está falando? Naturalmente das confissões religiosas. Aqui novamente se afronta a laicidade da escola, ao se abrir a “porteira” para que agentes alheios ao processo educativo adentrem e se apropriem de um espaço público, com a finalidade de fazer proselitismo religioso. Se concederá igual espaço para babalorixás e ialorixás divulgarem sua religião na escola? Ou a todos que reivindicarem? Isso é impraticável.
Com efeito, não compete à escola homogeneizar ou privilegiar determinada confissão religiosa, mas contribuir para que no cotidiano escolar se fomente o reconhecimento às diferenças, o diálogo, a liberdade religiosa e os direitos humanos. Estes são alguns motivos pelo qual se solicita que a Câmara Municipal de Florianópolis revogue a referida Lei.

Salamanca, 22 de março de 2015.



Fonte: Elcio Cecchetti

sexta-feira, 20 de março de 2015

Audiência pública para discutir o Ensino Religioso



Ministro convoca audiência pública para discutir ensino religioso em escolas públicas
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso convocou para o dia 15 de junho de 2015 audiência pública para discutir o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras. O tema é alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, ajuizada em agosto de 2010 pela então procuradora-geral em exercício, Deborah Duprat. O ministro Roberto Barroso é o relator do processo.
Todos os interessados em participar devem enviar mensagem para o e-mail ensinoreligioso@stf.jus.br até o dia 15 de abril. A solicitação de participação deve conter a qualificação do órgão, entidade ou especialista, conforme o caso, a indicação do expositor, acompanhada de breve currículo de até uma página, e o sumário das posições a serem defendidas na audiência.
Em seu despacho, o ministro esclarece que os participantes serão selecionados, entre outros, pelos seguintes critérios: representatividade da comunidade religiosa ou entidade interessada; especialização técnica e expertise do expositor; garantia da pluralidade da composição da audiência e dos pontos de vista a serem defendidos.

Constitucionalidade
O ministro Barroso explica que, na ação, busca-se conferir interpretação conforme a Constituição Federal a dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (caput e parágrafos 1º e 2º do artigo 33 da Lei 9.394/1996) e ao acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé (Decreto 7.107/2010) “para assentar que o ensino religioso em escolas públicas deve ter natureza não confessional, com proibição da admissão de professores na qualidade de representantes das confissões religiosas”.
A Procuradoria-Geral da República defende a tese de que a única forma de compatibilizar o caráter laico do Estado brasileiro com o ensino religioso nas escolas públicas consiste na adoção de modelo não confessional, em que a disciplina deve ter como conteúdo programático a exposição das doutrinas, práticas, história e dimensões sociais das diferentes religiões, incluindo posições não religiosas, “sem qualquer tomada de partido por parte dos educadores”, e deve ser ministrada por professores regulares da rede pública de ensino, e não por “pessoas vinculadas às igrejas ou confissões religiosas”.
O ministro Barroso destaca três pontos a serem discutidos na audiência pública, para a qual poderá ser designada uma data adicional, caso seja necessário: as relações entre o princípio da laicidade do Estado e o ensino religioso nas escolas públicas; as diferentes posições a respeito dos modelos confessional, interconfessional e não confessional e o impacto de sua adoção sobre os sistemas públicos de ensino e sobre as diversas confissões religiosas e posições não religiosas; e, por fim, as diferentes experiências dos sistemas estaduais de educação com o ensino religioso.
Segundo o ministro, “tais questões extrapolam os limites do estritamente jurídico, demandando conhecimento interdisciplinar a respeito de aspectos políticos, religiosos, filosóficos, pedagógicos e administrativos relacionados ao ensino religioso no país”, o que recomenda “a convocação de audiência pública para que sejam ouvidos representantes do sistema público de ensino, de grupos religiosos e não religiosos e de outras entidades da sociedade civil, bem como de especialistas com reconhecida autoridade no tema”.

Convites
Por determinação do ministro Luís Roberto Barroso, serão convidadas a participar da audiência 12 entidades. Além do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), serão chamadas as seguintes entidades representativas de confissões religiosas e de posições não religiosas: Confederação Israelita do Brasil (Conib), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Convenção Batista Brasileira (CBB), Federação Brasileira de Umbanda (FBU), Federação Espírita Brasileira (FEB), Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras), Igreja Assembleia de Deus, Liga Humanista Secular do Brasil (LIHS), Sociedade Budista do Brasil (SBB) e Testemunhas de Jeová.
Os ministros do STF, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, também serão convidados.

RR/CR

Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=287077